“Deveríamos estar a festejar o envelhecimento porque as suas causas são aquelas de que todos nós nos devíamos orgulhar”

“Deveríamos estar a festejar o envelhecimento porque as suas causas são aquelas de que todos nós nos devíamos orgulhar”

Maria João Valente Rosa há muito que diz que um dos maiores problemas é continuarmos a medir a passagem do tempo como o fazíamos no passado.

Como se explica que queiramos viver para sempre, mas não envelhecer?

Viver é bom e gostamos de viver, mas de não envelhecer porque associamos isso a algo pouco agradável, que é o avançar da idade. Do ponto de vista individual, muitas vezes implica a prevalência de doenças crónicas (hipertensão, dores lombares) e degenerativas. Além disso, e embora o envelhecimento não seja uma doença, surgem quase sempre manifestações desse avançar da idade, muitas vezes associadas a perdas, como a mobilidade e a visão. Receamos, acima de tudo, não tanto a proximidade da morte, mas a possibilidade de ficarmos dependentes dos outros.

Mas isso é recente e é resultado dos avanços da medicina moderna. O que aconteceu ao sábio velhinho das sociedades antigas?

Também tendemos a idealizar isso: achamos que os mais velhos, antigamente, eram muitos valorizados do ponto de vista da comunidade e viviam de uma forma fantástica. Isso não acontecia com todos. Existiam alguns, mas eram uma raridade, porque era raro chegar-se a idades muito avançados, mas hoje já não é. Era um contexto muito especial: a sabedoria também era algo limitado, o conhecimento estava até de algum modo estagnado e passava de boca a orelha.

Quer dizer que foi esta conquista da idade que fez com que essas pessoas deixassem de ser valorizados?

Sim, ser raro é uma coisa boa, quer dizer que todos vivemos mais. A sociedade mudou. O envelhecer do ponto de vista individual tem uma série de associações que, claro, têm o seu fundamento. Por exemplo, recusamos as rugas, que têm a ver com a passagem do tempo. Agora, porque gostamos tanto do tempo e de estar cá muito tempo, mas procuramos esconder isso dos outros? Esta perspetiva tem também algumas características muito próprias do ponto de vista social. Traz outras perdas, com a reforma, por exemplo: perdemos valor social. Deixamos de ser entendidos em função do que fazemos e passa a ser em função do que fomos, de um olhar para trás, de uma sombra – e perdemos algum respeito dos outros. Perdemos, muitas vezes, a capacidade de nos realizarmos em outras atividades, além de encontrarmos uma série de entraves sociais. Começamos a olhar para trás, perdemos a rotina, o contacto com os outros, como os colegas de trabalho. E é quando tomamos noção que há um limite para a vida, e que não vamos viver para sempre.

Por que é que gosta de dizer o envelhecimento não é uma tragédia e sim uma oportunidade? E que deveríamos estar a festejar?

Digo isso muitas vezes porque temos de olhar para as causas do envelhecimento. As sociedades estão a envelhecer – nem todos os países estão iguais, mas a Europa é o berço do envelhecimento: é aqui que está a região do mundo mais grisalha. Penso que deveríamos estar a festejar o envelhecimento e não a evitá-lo porque as causas disso são as que todos nós nos devíamos orgulhar. Têm a ver com o avanço técnico-científico e a melhoria das condições de vida das populações. Não se envelhece por acaso. No início dos anos 1960, Portugal era o país menos envelhecido da Europa, mas pelos piores motivos: a escolaridade era baixíssima, a mortalidade infantil era a maior dos atuais 28 da UE. Ninguém quer abdicar destas conquistas, e ninguém quer voltar àquela sociedade, mesmo que fosse menos envelhecida. É o resultado de algo que aconteceu nas sociedades modernas. E alguns ainda não se convenceram do potencial valor que o envelhecimento traz consigo. Há um desfasamento entre a demografia e a forma como estamos a olhar para este percurso dos factos. Quando fiz a minha tese de doutoramento sobre envelhecimento, nos anos 1980, as pessoas não percebiam o que me interessava no tema. O panorama mudou radicalmente, mas já sabíamos que isto ia acontecer.

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